9 de junho de 2008

Religiosiolindade

Religiosiolindade
Severino Vicente da Silva
Profº Doutor Em História – Chefe do Deptº de História da UFPE, Presidente do Conselho Editorial da Revista Cadernos de olmailto:olindabnovadescoberta@terra.com.br

RESUMO
Este artigo pretende apresentar a religiosidade em Olinda, não apenas como um aspecto da tradição católica, proveniente do período colônia, sempre dominante, mas como a criação de novas maneiras de expressão de fé que foram, e estão sendo, criados pela população, o que sempre ocorreu, mas que agora ocorre mais freqüentemente e com maior rapidez.
Religiosiolindade
A despeito das previsões dos estudiosos iluministas que, desde o século XIX, vêm afirmando o término do período religioso dos homens, assistimos desde o final do século XX, como que um recrudescimento das atividades religiosas, ainda que essas manifestações apresentem caráter diferenciado daquele a que estamos acostumados. Sim, fomos acostumados a ver como religião apenas o cristianismo e a entender como religiosidade aquelas práticas que herdamos dos nossos avoengos europeus, com os quais aprendemos que outras crenças e suas manifestações devem ser postas no mundo do folklore, da não cultura, ou cultura inferior. Contudo o mundo é bem maior do que a nossa experiência pessoal, ou do além meio sócio-cultural imaginado pelos europeus nos séculos recentes.
Andar nas ruas de Olinda, como andar em ruas de outras cidades cuja formação deu-se no período da colonização portuguesa, ou mesmo até o início do período republicano brasileiro, é confrontar-se com as formas de práticas religiosas do cristianismo, em sua maior parte, do cristianismo católico, que foi espalhado pelo mundo com as grandes navegações européias no século XVI.
Andemos no dito Sítio Histórico, este pedaço de Olinda tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade, por ser representativo de um momento importante da grande aventura humana, especialmente da européia. Quase, em cada esquina, nós somos surpreendidos por um templo, por uma capela, um orago. São construções de uma época de predomínio do catolicismo. Nelas são mostradas as crenças trazidas pelos portugueses. São João, São Francisco, Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora do Carmo, São Salvador do Mundo, Santa Tereza, São Sebastião, Nossa Senhora da Hora, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora do Amparo, uma capela para São Roque outra para a Senhora Santana. Esses templos testemunham a fé dos colonizadores e o processo de colonização, as etapas desse processo. Outros templos, construídos então, não mais existem: há documentos que falam de um orago para São Gonçalo, uma tradição, uma devoção não mais encontrada em Olinda.
As tradições religiosas são, também, mostras das angústias que a população de Olinda sentia no momento de sua formação, de seus primeiros tempos. Por pequena que fosse a população olindense naqueles anos iniciais de sua história, somos tentados a pensar que havia, naquele momento, uma maior religiosidade que a dos dias de hoje. Mas tal situação não era própria de Olinda, nem dos portugueses. Nos séculos XVI e XVII o mundo ainda estava encantado pelo esplendor do sagrado, ainda que pese a racionalidade que se forjava no que foi chamado Renascimento Cultural europeu. A religião era o canal que alimentava, processava e expressava as emoções humanas. O principal canal, se não o único para grande parte dos homens e mulheres de então. El abismo existente entre la clase campesina y la clase educada era mucho menor en el reino del pensamiento que en las realidades del poder y el estilo de vida². Essa descrição feita sobre a situação européia pode bem ser aplicada à situação do burgo olindense que se formava na beira do Oceano Atlântico, próximo às margens do rio Beberibe. Toda uma população que se transportava para as terras de Nova Lusitânia devia viver em um mundo, simultaneamente, assombrado e maravilhoso. As matas, hoje quase extintas pela ação civilizacional, que ao longe pareciam os jardins do paraíso, eram hostis, escondiam feras e índios, sendo que estes se mostravam perigosos à medida que sofriam a perda dos espaços que antes dominavam. Aos poucos, o paraíso antevisto por Colombo e outros foi sendo substituído pelo medo, e a superação desse medo exigia coragem, muitas vezes imprevidente. Entretanto, a bravura e a coragem não prescindam dos apoios emanados dos santos protetores, das forças divinas. Os sentimentos de morte, de salvação, de medo, esperança e tantos outros experimentados pelos colonizadores, aparecem nas devoções, e eram expressados em procissões e orações muitas, manifestavam-se também na arquitetura, na organização do espaço social, colocando em relevo os santos e as autoridades municipais.
O centro histórico de Olinda é um retrato das práticas religiosas do tempo de sua formação. A ocupação dos espaços geográficos é acompanhada pela definição de espaços sagrados e políticos. Capelas, igrejas, conventos são erguidos para o acolhimento de religiosos convidados a ficar e se estabelecer na vila, ainda que alguns tenham chegado ao acaso de algum naufrágio, não muito distantes da casa da governança, da cadeia pública e do senado, reunião dos homens bons.
Ao final do século XVI as devoções franciscanas estão estabelecidas no burgo duartino. Mesmo antes dos Frades Menores – a primeira das ordens franciscanas, a Ordem Terceira, sob a proteção de São Roque, aquele que protege das pestes e das doenças, está presente na devoção de Dona Rosa. Essa benemérita reparte seu patrimônio com os Menores, os quais estabeleceram um convento e nele, mais tarde, uma Escola Teológica. Também vieram os Jesuítas, criadores de um colégio que fará fama e História, local de refrigério para os que vivem em missões, mas também local de ensinamento para futuros sacerdotes e jovens que precisam das letras para ocupar postos na administração da Capitania. Os Beneditinos recebem seu quinhão de terra, após viverem algum tempo na Igreja de São João. Mas as construções de pedra e cal, materialização da fé, quase ficam restritas á área residencial, atendendo aos moradores da vila. Posteriormente as suas propriedades se estendem tanto para o norte quanto para o sul e centro da Capitania. Os Carmelitas receberam, para seu patrimônio, uma ermida dedicada a São Gonçalo, protetor dos pescadores; hoje estão esquecidos, o Santo e o local de sua ermida.
Em Olinda parece haver um conflito constante entre as práticas de um catolicismo leigo e um catolicismo mais oficial, de domínio dos clérigos. Havia uma sede de clérigos para organizar o culto e as manifestações religiosas da pequena cidade que crescia. Se compararmos Olinda com outras cidades coloniais, poderemos verificar o quanto foi pequena a influência das irmandades leigas e o quanto os padres dominaram a vida religiosa. Olinda, desde o início, substitui a devoção do leigo pela devoção organizada pelos religiosos. Cada pequena colina tem sua igreja e é dominada por uma Ordem religiosa, ou religião, como se dizia então. Toma ares de cidade medieval, com as suas igrejas, entretanto elas eram controladas não pelas irmandades, mas pelos vigários, abades e provinciais.
No século XVII, a chegada violenta e mercenária dos flamengos, em guerra com a Espanha, ataca os prédios religiosos. Confrontam-se mundos econômicos, políticos e mundos religiosos. Pedras, unidas por argamassa e fé católica, foram retiradas dos templos para a construção de prédios comerciais e de moradia no vizinho povoado do Recife que, sob a direção dos Reformados, veio a se tornar o centro da vida econômica, política e social de parte do que chamamos hoje de Nordeste, durante trinta anos.
O saque material e espiritual sofrido com a presença dos holandeses marcou definitivamente Olinda. Não que houvessem sido erigidos templos para o culto trazido dos Países Baixos na cidade. Os templos católicos serviram para o louvor reformado. Mas Olinda não se recuperou, jamais, do choque econômico sofrido, da transferência do poder para a planície do Recife, pois o porto que a natureza negou a Olinda, foi o prêmio para os navegadores comerciantes das Províncias Unidas.
Depois da Restauração, a Marin dos Caetés assistiu, desde então, o decorrer de seu declínio. A riqueza e a pompa que fizeram os oradores sacros entender que o incêndio da cidade fora um castigo, começaram a afastar-se de Olinda. Mesmo as procissões. As procissões do Senhor Morto continuaram a manifestar, nas ruas olindenses, a fé dos seus moradores. E os escravos, que haviam construído, com o seu trabalho, as igrejas e conventos freqüentados pelos seus senhores, também passaram a ter o templo onde receberiam os sacramentos católicos, eles que foram feitos cristãos católicos por força do Padroado, e que se tornaram, na medida do possível, também zelosos seguidores do Deus sofredor da Cruz, sob a proteção da Senhora do Rosário, aquela que, segundo a fé e a tradição, auxiliara as tropas papais contra os muçulmanos em Lepanto. A mesma mãe de Jesus, Senhora das Graças, protetora do colégio dos Jesuítas, era a Senhora do Rosário, protetora dos negros em Olinda.
O sofrimento parece ter sido a marca da religiosidade inicial daqueles que fundaram Olinda, como de resto ocorria em toda colônia portuguesa da América. Não sem razão, a principal procissão era a do Senhor Morto e não a do Glorioso Salvador do Mundo, protetor da vila/cidade e patrono da catedral quando foi criada a Diocese de Pernambuco. Que templo colonial não tem, em um dos altares laterais, uma imagem do Senhor Morto, visitado constantemente por devotos que vêem o seu sofrimento no sofrimento de seu Salvador? Esta procissão, a do Senhor Morto, para a qual vinham até mesmo os habitantes da longínqua Goiana, após o domínio holandês foi perdendo espaço para a sua similar, no Recife, que aumentava em população e chamava para si o governo da capitania. Quando da criação da Diocese de Pernambuco, os documentos romanos indicavam a Paraíba como sede, porém Olinda atraiu o prelado que não quis separar-se do local central, de onde se faziam as decisões. Não foi sem luta que Olinda perdeu o cetro político para o Recife, e deve ter sido lastimoso, para a população, assistir o bispo transferir-se para o Recife, ficando distante de sua catedral. O imponente palácio que havia sido construído para abrigar os prelados foi desocupado de sua pompa no século XIX, com os prelados indo morar na Soledade, no plano, ao nível do mar. O bispo passou a residir longe de sua catedral. Ficaram os monges, os frades e o seminário recriado por Azeredo Coutinho. A catedral, esvaziada pela ausência do seu ordinário, também entrou em declínio material. Só no século XX veio a ser restaurada, para continuar a receber os corpos dos bispos e, na Quinta-feira Santa, receber o clero para a missa de reafirmação do sacerdócio, a Missa dos Óleos: uma devoção dos padres que, durante muitos anos ficou sendo realizada nas catedrais irmãs da Madre de Deus, no Recife e em São Pedro dos Clérigos, em Santo Antonio.
Outra devoção muito comum era a de São Miguel Arcanjo, aquele que, com sua espada flamejante havia expulsado os pais pecadores, Adão e Eva, do Paraíso. São Miguel Arcanjo protegia, simultaneamente, os soldados e os índios. Devia haver muitas imagens de São Miguel, com sua barriga proeminente, típica dos soldados bebedores de cerveja e vinho, protegida pela armadura de couro, nas igrejas de Olinda; afinal, eles eram soldados de cristo que lutavam para a expansão da fé e a extinção do pecado; o pecado das crendices dos primeiros habitantes, desconhecedores da verdadeira religião, do verdadeiro Deus. Da mesma forma que o Arcanjo havia expulsado os pais geradores do pecado daquele Jardim que o Senhor havia preparado para os homens, o Arcanjo Miguel protegeria esses novos saldados que expulsavam das matas os costumes terríveis, como a poligamia, a antropofagia e tantas outras ações maldosas e malvadas que, acreditava-se, eram praticadas nesse novo paraíso que Deus havia reservado aos portugueses fiéis da Santa Religião.
Interessante é que São Miguel era também protetor dos índios, pois encontramos sua representação nas muitas aldeias indígenas dos sertões pernambucanos, como acontece ainda hoje entre os Xucuru de Pesqueira, aldeados pelos padres oratorianos, nas terras que pertenceram a João Fernandes Vieira. Os índios aldeados, que sempre foram guerreiros, depois de batizados, tornavam-se soldados do exército da grande milícia católica. Tendo perdido o seu paraíso, os índios passavam a ser protegidos por aquele anjo fiel que defende o espaço sagrado das hostes de Lúcifer, este que devia morar nas florestas ainda não conquistadas pelos cristãos, onde ainda viviam os índios que se recusavam a seguir o Abaré, o homem da veste preta, aquele que expulsa o poder dos pajés.
No século XVII foram introduzidas novas devoções, pois mudanças políticas na Europa trouxeram outros costumes ibéricos para a terra brasílica. Quando o excesso religioso de Dom Sebastião o levou á morte na África, seu parente, Felipe II da Espanha, agregou Portugal ao seu império. As devoções e práticas do catolicismo espanhol vieram para o Brasil. Então se deu a visitação do Santo Ofício, primeiro na Bahia, depois em Pernambuco. Os livros dessa visitação dão mostra do medo e dos pecados que aqui se cometiam. Mais falatórios que pecados graves, mais preocupação em buscar pessoas de posse que pecadores. Os cristãos-novos que viviam em relativa paz, longe da Europa, do Rei e do Papa, viram-se em situação incomum, pois não eram incomodados no período anterior à União Ibérica. Muito deve ter contribuído para a sua caça nessas terras onde parecia não haver pecado, como se dizia então, a sua relação com as Províncias Unidas e o governo do Conde Maurício de Nassau. A Inquisição Espanhola sempre procurou, com afinco cruel, os descendentes daqueles que se fizeram cristãos forçadamente. Afinal, parece que não havia terras suficientes e os familiares do Santo Ofício sempre podiam ganhar alguma coisa com a perda de alguns criptos judeus. Sim, a religião alimentava o medo, gerava inveja, e pregava vingança contra os matadores do Senhor Morto. Entretanto, creio, não se deve transportar para a América Portuguesa aquilo que foi mais uma prática da Inquisição de Espanha, como alguns querem hoje fazer, tornando Olinda e Recife o inferno dos judeus.
A presença espanhola trouxe também um santo Espanhol para confrontar-se com uma tradição religiosa portuguesa. São Gonçalo Garcia foi um franciscano espanhol que se tornou um dos primeiros mártires europeus em solo americano, no processo da conquista espiritual do México. Tornou-se um símbolo da Espanha, da Espanha católica que se dedicava à obra de Deus e, naquele momento quando a Espanha impunha sua autoridade política sobre Portugal, era também o momento de colocar a devoção de São Gonçalo Garcia, tanto em Portugal quanto em sua colônia na América. Nas terras portuguesas essa devoção foi rechaçada pelo sentimento de nação. Portugal já tinha o seu São Gonçalo, nascido em Amarante no século XIII. Era a devoção de Dom João III, que lutou pela sua canonização. Gonçalo do Amarante era um santo muito popular em Portugal e foi trazido para o Brasil nas mesmas naus que trouxeram os primeiros colonos. Sua presença se estende por toda a colônia. Protetor dos pescadores, também protegia as mulheres na busca de casamento, especialmente as mais velhas e as que viviam na prostituição. Santo alegre, às vezes apresentado como camponês e outras como padre, mas sempre com uma viola nas mãos. Em Olinda havia uma ermida em sua honra, que foi dada aos carmelitas. Sua devoção desapareceu na cidade de Olinda, mas sua presença se nota no porto do Recife e, ainda no século XIX, no bairro dos Coelhos. Ainda nos dias atuais, em Itapissuma, realiza-se a buscada marítima, uma procissão que sai da igreja matriz e, pelo mar, dirige-se a Itamaracá. Entretanto, são muitos os que fazem o percurso por terra, acompanhando com os olhos a procissão marítima. A convivência dos dois Gonçalos ainda hoje provoca confusão aos pesquisadores, pois os devotos, pobres em sua maioria, não fazem distinção entre um e outro. Mas o Gonçalo Garcia, o frade franciscano é menos conhecido e mencionado. Olinda perdeu os dois.
Outra devoção trazida pela presença portuguesa foi a de Nossa Senhora de Guadalupe; a Santa Morena que se apresentou ao índio Garcia e derramou o seu manto sobre a América, única manifestação mariana na América reconhecida pela Sé Romana. Após a expulsão dos batavos, no final de Olinda foi erguido um templo para homenagear aquela que se condoeu dos sofrimentos dos primeiros habitantes da América. O bairro de Guadalupe, local de encontro de índios e caboclos sob a proteção da primeira Senhora não branca das Américas.
Os senhores de engenho tinham a proteção de São José, patriarca da Sagrada Família, que recebeu Botas, o São José das Botas, sinal de dignidade em uma sociedade em que andar descalço era sinônimo de escravidão. Mas se José, o santo carpinteiro que aceitara a tarefa de cuidar do Deus que se tornou homem, passava a ser o símbolo do pai da família senhorial, não coube à sua santa esposa, Maria, a tarefa de receber a devoção das senhoras de engenho, esposas dos potentados. Ana, a Senhora Sant’Ana, mãe de Maria, é a recebedora das homenagens das senhoras das casas grandes; é ela quem ensina à menina Maria os caminhos da organização social. À Maria, mãe de Jesus, coube continuar uma tradição medieval, ser a Advogada, como se reza na Salve Rainha; a ela cabe ser a Consoladora dos Aflitos, Mãe dos degredados, a que acompanha as mulheres nas horas difíceis do parto e quem garante uma Boa Hora, ou Boa Morte, a todos. Também aos negros.
Os que perderam o seu Paraíso, que foram arrastados da África para o trabalho forçado nos engenhos, esses que viviam um verdadeiro inferno, precisavam de uma proteção e a eles foi ensinada a devoção de Nossa Senhora do Rosário, e, depois, para São Benedito e Santa Efigênia. Excluídos da vida social, não podiam ser excluídos da religião, pois haviam sido batizados, eram membros da Igreja. Não podendo assistir ao culto com os seus senhores, foi-lhes permitido a construção de um lugar para suas orações. Um templo foi erigido fora dos limites da cidade, um local para orar, para pedir clemência na Santa Religião. Organizaram a sua Irmandade, seguindo a legislação que obrigava a presença de um sacerdote e permitia, também, a presença de brancos na Mesa Diretora.
Mas havia outros deuses ou espíritos protetores que não podiam ser mencionados e esses eram louvados nas mesmas festas, com as intenções internas. Refaziam-se símbolos, recriando espaços sagrados que vieram a ser conhecidos apenas muitos anos depois, depois da Abolição, depois da República, com o fim do instituto da religião oficial, depois do reconhecimento da liberdade religiosa, depois que os descendentes de seus antigos senhores deixaram de ver seus valores religiosos como simples “costumes do povo”. No século XX, especialmente após a segunda metade do século, Olinda passou a conviver abertamente com as religiões de origem africana, não a religião africana, como alguns querem, mas uma religião que tem algumas de suas raízes na África e outras nas terras brasileiras, assim como o catolicismo tem origens diversas – Ásia, Europa.
Olinda continua sendo uma cidade religiosa, mas não com uma religião que tem domínio sobre as demais e sobre os homens. Olinda não é mais uma sociedade dos tempos de colônia, é uma cidade moderna, e nela todas as expressões religiosas estão presentes. Na Praça Dantas Barreto, no sopé do morro do Seminário de Olinda e do Farol, estão templos de várias expressões cristãs: a Igreja Episcopal, a Ortodoxa. Isso na Olinda Patrimônio da Humanidade, no sítio histórico, apresentam-se essas tradições. Mas se subimos o morro da Sé de Olinda, do outro lado da catedral católica, da igreja do Salvador do Mundo, podemos ver e entrar no Palácio de Iemanjá. Mas se, por outro lado, quisermos subir a Rua de São Bento, lá encontraremos, quase em frente a um dos oragos da Paixão de Cristo, uma sala onde se estuda o kardercismo. E se nos desgarrarmos dessa Olinda de que nos falam os saudosistas, se nos dirigirmos aos bairros da periferia, lá encontraremos todos os deuses, todas as religiões, todos os templos, todos os terreiros, até mesmo o Catimbó ou Jurema dos índios, dos senhores das matas, ou uma estátua de Iemanjá na foz do Rio Doce. Novas devoções católicas também criam novos espaços sagrados para além do Sítio Histórico, como é o caso da Capela da Mãe Rainha, em Ouro Preto.
Pensar a religiosidade olindense não é mais debater as tradições do catolicismo, mas encontrar nos espaços da cidade, uma população que está sempre manifestando as suas crenças para além dos conceitos formados em uma época menos democrática, mais impositiva. Olinda continua religiosa, mas de uma religião mais internalizada, com menos procissões, como se espera de uma cidade de um mundo mais secular.
NOTAS:
1 Preparado para Revista do Instituto Histórico de Olinda. 19 de outubro de 2005.
2 MOSSE George L & KOENINGSBERGER, H. G, Europa en el siglo XVI . Madrid: Aguilar ediciones, 1974. p.90
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