11 de dezembro de 2001

Vida entre as grades : Sistema penitenciário tem número recorde de mulheres encarceradas

Levantamento realizado pela Secretaria de Justiça revela que população feminina cresceu 57% em seis meses

Marcionila TeixeiraDa equipe do DIARIO

As roupas femininas tomam conta das janelas da unidade penal e indicam que o local está repleto de mulheres. Sem muito para fazer, parte delas costuma ficar espalhada pelos corredores, onde fumam, se enfeitam ao som de música romântica ou jogam conversa fora. Hoje, já são 217 as mulheres que dividem espaço nas celas da Colônia Penal do Bom Pastor, que está funcionando provisoriamente no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), em Itamaracá. Um levantamento da Secretaria Estadual de Justiça, publicado com exclusividade pelo DIARIO, revela que o número de detentas em Pernambuco cresceu 57% entre os meses de janeiro de 1999 e julho deste ano. O percentual chamou a atenção do Governo porque representa o dobro do crescimento da população carcerária masculina no mesmo período, que foi de apenas 26%. Junto com a multiplicação dos números, o levantamento revela também um novo perfil da mulher presa no Estado: aquela que entra para a criminalidade por conta própria, independente do companheiro. Há poucos anos, era muito divulgada a informação de que a maioria das mulheres se envolvia no crime por causa dos companheiros. Muitas eram presas levando drogas para as unidades penais masculinas, onde os maridos ou namorados estavam, ou mesmo se envolviam em assalto, seqüestro ou tráfico movidas pelo chamado amor bandido. Se eles estavam na criminalidade, elas também se obrigavam a estar ao lado, mesmo que isso implicasse risco de vida e prisão. O secretário de Justiça, Humberto Vieira, confirma que hoje as mulheres não se limitam a carregar droga para os homens com quem vivem. "Elas agora assumem os pontos de tráfico de drogas". Os testemunhos da secretária Sandra Regina de Oliveira, 37 anos, da garota de programa Adriana Barbosa Freitas, 27, e das ex-estudantes Joanely Peixoto, 19, e Cristiane Maria Ferreira, 20, mostram que suas incursões pela criminalidade aconteceram independentemente de opiniões masculinas.Demitida do emprego de secretária em uma escola paulista depois de sete anos de serviços prestados,Sandra Regina viu o padrão de vida da família cair. O salário do marido engenheiro já não era suficiente para pagar financiamento de casa própria e manter quatro crianças em escola particular em uma cidade como São Paulo. "O desespero falou mais alto e comecei a tirar, escondida, dinheiro das despesas da casa para arriscar no jogo. No primeiro, segundo, terceiro e quarto dia ganhei, mas depois passei a perder e assim vivia entre dias bons e ruins no jogo. As dívidas começaram a crescer e não podia revelar isso ao meu marido". Sandra foi presa no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, carregando cocaína em uma cinta presa ao corpo em julho desse ano. Quando foi flagrada, já era a terceira vez que viajava transportando a droga. "Na primeira vez, fui para Londres com a promessa de um emprego onde iria apenas acompanhar uma senhora que gostava de freqüentar casa de jogo. Consegui o trabalho por intermédio de uma mulher que conheci no bingo. Aceitei, mas quando cheguei lá recebi apenas um pacote de presente que deveria ser trazido de volta para a mesma mulher que havia arrumado o suposto emprego. Notei que tinha algo errado, mas não suspeitei de drogas", lembra. A terceira viagem não funcionou porque Sandra foi obrigada a vestir a cinta e só então viu o que havia dentro. "Fiquei muito nervosa e os policiais federais desconfiaram". Não fosse isso, a mulher elegante, alta, loira e de olhos azuis jamais teria despertado suspeitas. Hoje, 54,92% estão presas por tráfico de drogas. Longe da família, a secretária sofre com a saudade e com o desconforto e anseia a volta para casa. "Não tenho parentes por aqui para me ajudar. Para se ter uma idéia, uma carteira de cigarro aqui dentro da unidade custa R$ 2,00. Minha filha mais nova fala todos os dias pelo telefone comigo e diz que está morrendo de saudade. Ela não sabe que estou presa. O meu mais velho está sendo acompanhado por psicóloga. Eles não têm que pagar pelo meu erro. Só eu devo pagar", lamenta. Para ser transferida, Sandra precisaria desembolsar R$ 3 mil que seriamusados no pagamento das passagens também das agentes penitenciárias. A diretora adjunta da Colônia, Isolda Monteiro, está no sistema há sete anos e percebeu o salto no número de mulheres presas nesse espaço de tempo. "Logo que entrei como agente penitenciária havia na Colônia 80 reeducandas. Para esse número chegar a 100 foram necessários mais dois anos. Até o ano passado, esse índice ficou estabilizado e de lá para cá estourou até chegar a 217 mulheres presas", calculou. Isolda diz que a idade cada vez menor das detentas também tem chamado a atenção. Um total de 22% das presas tem entre 25 e 29 anos.Depois do tráfico de drogas, o homicídio é o crime que mais leva as mulheres para a cadeia. Um total de 16,43% delas está presa por homicídio. Adriana não matou, mas quase o fez durante um programa com um homem no Centro do Recife. "Era madrugada e dois homens se aproximaram da gente. Ele achou que ia ser assaltado e colocou a mão na camisa, como se fosse tirar alguma arma. Estava muito drogada de crack e enfiei a faca no cara. A droga me fez pensar que ia ser morta", lembra. Adriana tem cinco filhos de dois homens diferentes. Mal o caçula completou oito meses, ela já está grávida de três meses do sexto filho. "O Governo devia ligar a gente", reclamou, se referindo à ligação de trompas. "Tomei uns comprimidos que a Secretaria de Justiça doou e terminei grávida. O remédio estava fora de validade", denuncia. Adriana diz que não encontra outra alternativa de trabalho que lhe ofereça dinheiro suficiente para o sustento dos filhos e dela mesma. "Vou continuar fazendo programa quando sair daqui", promete. A professora Cristina Figueirêdo, que estuda questões ligadas ao feminismo, diz que os homens e as próprias mulheres estão descobrindo que são mais zelosas, o que facilita a atuação delas no crime. "É uma questão de tática, de estratégia porque, em geral, somos mais sutis e assim conseguimos melhores resultados", defende. O caso de Cristiane ilustra bem a opinião da professora. Jovem e bonita, Cristiane conta que foi convencida por três amigos a armar uma cilada contra um homem que namorava na época. "Ele era bem de vida, tinha dois restaurantes, e os caras cresceram o olho. Me ofereceram muito dinheiro e terminei me iludindo. A gente faz e acontece, quando vê já é tarde", avalia. Cristiane está esperando julgamento por latrocínio (roubo seguido de morte) porque os amigos dela terminaram assassinando a vítima. "Eles me garantiram que não iam matar meu namorado. Se for condenada a muito tempo acho que me mato", diz, desiludida. Cristiane foi presa depois que os mesmos amigos denunciaram ela como executora da morte do namorado. "Somente Deus e minha família me dão força para agüentar ficar aqui".O sociólogo e escritor Irageu Fonseca diz que o fenômeno que leva cada vez mais mulheres às unidade penais está no contexto da emancipação feminina. "As mulheres estão ganhando cada vez mais mercado e disputando espaço com o homem. Esse crescimento no número de mulheres presas então é previsível dentro da sociedade que vivemos",analisa. O crescimento da criminalidade de um modo geral também conta para o aumento do número de mulheres na cadeia, na avaliação do estudioso. "A última década foi marcada pela intolerância, pela violência e pela exclusão. Mais da metade da população mundial está excluída". Joanely Peixoto de Lira, 19 anos, cursou até a 8ªsérie de uma escola particular em Paulista e é exceção na regra. A maioria das presas da Colônia, 68,07%, cursou apenas até a quarta série. Joanely sonhava fazer medicina até se envolver com a cocaína. "Me viciei a ponto de ficar devendo R$ 2 mil a dois traficantes. Para me livrar da dívida, eles me chamaram para participar de um assalto a banco, aquele que apareci na fita de vídeo", conta, se referindo ao assalto contra o Bandepe, do Hospital Oswaldo Cruz. "Se eu não aceitasse, eles matariam a mim e a minha família. Acharam que por eu ser mulher seria mais fácil para entrar no banco sem despertar atenção", conta. Joanely foi presa nas proximidades do Shopping Tacaruna, quando estava parada em um posto de gasolina, dentro de uma Kombi. "Terminei presa como suspeita de assaltar o BBV de Santo Amaro. Mas só fiz o assalto do hospital", garante. Joanely tem um filho de 11 meses com um homem que está preso por tráfico de drogas no Presídio Aníbal Bruno, no Curado. Segundo o levantamento da Secretaria de Justiça de Pernambuco, 13,61% estão presas por assalto, enquanto 6,57% estão presas por furto. Na tentativa de abrigar todo esse contingente de presas, a Secretaria de Justiça deu início à ampliação da Colônia Penal do Bom Pastor, no Engenho do Meio. Enquanto isso, as presas ficam aguardando o fim das obras no HCTP, em Itamaracá. Apesar de 60% das presas serem da Região Metropolitana do Recife, uma unidade penal feminina também está sendo construída em Garanhuns para atender as mulheres do Sertão e Agreste. Até o final do ano, a nova unidade deverá estar pronta, segundo o secretário Humberto Vieira.

Comentário dos leitores:
"Muito interessante a matéria da jornalista Marcionila Teixeira. Além de trazer dados exclusivos, revela uma abordagem humana e diferenciada para uma questão social bastante delicada. Na minha opinião, trata-se de um dos pontos altos da edição do Diario de hoje. Parabéns!" Tatiana Diniz - repórter da Folha de S.Paulo

Diário de Pernambuco
De: 11/12/2001
Vida Urbana
Marcionila TeixeiraDa equipe do DIARIO

25 de setembro de 2001

Olinda retira crianças de rua

A Prefeitura de Olinda deu início, ontem, ao projeto Se Essa Rua Fosse Minha. O objetivo é retirar as crianças da rua, evitar que elas consumam drogas e a erradicação do trabalho infantil no município. Segundo o secretário-adjunto de Política Públicas de Olinda, Irageu Fonseca, o projeto, que vai atuar de forma permanente, é dividido em duas etapas. Na primeira, que tem duração de três meses, 14 educadores fazem o trabalho de abordagem, mapeamento e identificação das famílias dos menores. Após essa fase, as crianças serão encaminhadas a instituições e Organizações Não-Governamentais, onde vão receber orientação, educação, além de assistência social e psicológica. Para os menores de 7 a 14 anos, em situação de exploração da mão-de-obra infantil será destinado, através do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), do Governo Federal, uma bolsa de R$ 25 para as famílias, além de R$ 20 para o custeio das ONGs. De acordo com Irageu Fonseca, o trabalho voltado para os menores em situação de rua vai acontecer a médio longo prazo, já que o processo de convencimento para as crianças saírem das ruas é mais lento. “Muitos perderam o vínculo familiar, são usuários de drogas e têm a vida comprometida”, revela.
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ÁGUA PRA GENTE

*por William Ferreira A água passa nos canos, mas não é para os canos. É para as pessoas, para os animais, para as lavouras, até mesmo...