27 de março de 2009

Crise, fome e direito à alimentação

Selvino Heck

Em reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), José Graziano, diretor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) para a América Latina, falou da tranqüilidade do viajante, no caso ele, que chega ao Brasil. Segundo Graziano, aqui não se vêem ou se ouvem notícias sobre falta de alimentos, desabastecimento ou situações fora da normalidade. Outros países não sabem se chegará o pão necessário no navio do dia seguinte. Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina são, inclusive, países exportadores de alimentos, o que não acontece com a maioria dos países da América Latina.
Por isso, Jacques Diouf, diretor da FAO, trouxe ao presidente Lula a proposta de criar um Fome Zero mundial, com a realização de uma Cúpula Mundial da Alimentação durante a 36ª Sessão da Conferência da FAO, em Roma, em novembro de 2009. Para isso, Jacques Diouf conta com o apoio e o protagonismo do governo Lula, o apoio pessoal do presidente e o apoio do Consea. Essa solicitação especial significa reconhecimento às políticas de segurança alimentar e nutricional do governo federal, ao trabalho do Consea, bem como à parceria que acontece entre governos e sociedade civil no Brasil.
Por sua vez, o Consea, na plenária de março, decidiu dar início a uma ampla campanha nacional em prol da aprovação da proposta de Emenda Constitucional 47/2003, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares, cujo objeto é a inclusão no artigo 6º da Constituição Federal, do direito humano à alimentação adequada e saudável, via meios de comunicação, abaixo-assinados, divulgação de textos e estudos, apoio de figuras públicas, atividades de rua.
A garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável está expressa em vários tratados internacionais reconhecidos pelo governo brasileiro, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e a Cúpula Mundial de Alimentação de 1996. Mesmo assim, o Consea julga urgente haver uma referência explícita na Constituição ao direito à alimentação como um dos direitos fundamentais. Esta inclusão fortalece as políticas públicas de segurança alimentar em andamento e assegura que não haja retrocessos em sua continuidade.
A idéia da campanha é criar um movimento nacional para que a PEC seja aprovada até o dia 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentação. O Consea também está empenhado na concretização do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), previsto na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente em 2006. O Sisan visa integrar as ações e políticas das três esferas de governo  federal, estadual e municipal -, com adesão da sociedade civil e da iniciativa privada.
A aprovação da PEC 47, a construção do Sisan e o lançamento do Fome Zero mundial são fundamentais num mundo que já produz alimentos além do necessário para alimentar todos e todas diariamente, mas ainda tem um bilhão de pessoas passando fome. Corre-se sério risco de não cumprimento do primeiro Objetivo do Milênio: reduzir à metade o número de pessoas subnutridas no mundo até 2015.
O ministro Patrus Ananias, do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), disse na reunião do Consea que, ao contrário do que alguns ainda pensam, garantir comida a uma pessoa nunca é uma ação assistencialista, porque está-se garantindo um direito básico e fundamental, assim como o são a educação e a saúde.
O presidente Lula, falando da crise econômica em Seminário do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, disse: "O que não pode é a gente ficar colocando água na panela quente sem colocar os ingredientes para fazer a comida, porque a água evapora. Pode colocar mais um copo, que vai evaporar. E pode colocar mais um copo, que vai evaporar. O que nós precisamos é colocar os ingredientes para, daquela água, a gente fazer a nossa comida e sobreviver".
Os ingredientes são: Fome Zero mundial, aprovação da PEC 47/2003 e construção do Sisan. Mãos à obra e todos engajados na campanha nacional de mobilização.
Selvino Heck é Assessor Especial do Gabinete do Presidente da República

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