17 de maio de 2008

A Dilma que eu conheço

Recebi este texto de um amigo. É uma análise interessante sobre duas pessoas que participaram diretamente da resistência à ditdura militar.

A ministra Dilma Roussef e eu somos da mesma geração e idade. Despertamos para a luta política ainda em nossa adolescencia e crescemos no combate à ditadura militar. Pagamos ambos um alto preço por isto, com prisões nas masmorras da ditadura, violencias e torturas por defender a democracia. Tínhamos visões diferentes sobre como encontrar uma saída para aqueles anos de chumbo, mas isto é história. História do Brasil, com H e B maiúsculos, porque a ajudamos a fazer com o desprendimento de nossas juventudes. Seguimos caminhos diferentes na luta política, mas nas nossas escolhas fomos autênticos em profundidade. Hoje, podemos olhar para atrás e dizer orgulhosamente, aos nossos filhos netos, que demos o bom combate, travamos a boa luta, sempre com o pensamento em alto e e antecipando a idéia, que depois tornou-se uma verdade aceita mesmo pela esquerda , de que a democracia é um valor universal.
Somos de uma geração muito especial, a geração de 68. Quarenta anos depois, é hora talvez de fazer balanços, mostrar os aspectos positivos e os menos positivos de todo um período, de todo um engajamento da juventude brasileira. Tenho orgulho de ter sido chamado públicamente por um grande historiador e cientista político brasileiro, Moniz Bandeira, de "herói do povo brasileiro". Um exagero, certamente. Uma homenagem, talvez. Heroínas sim foram a nossa querida Dilma, a nossa ministra, e a minha mulher Beatriz, garotas ainda adolescentes jogadas aos 19 anos em celas infectas, sujeitas ao terrorismo físico e psicológico dos carrascos de mente desvairada...
Nossa geração, logo após, se bifurcou. Segui para a reconstrução da minha vida no exílio exterior. Dilma fez a reconstrução da sua vida no exílio interior. Em tempos em que a internet não existia, nosso contacto era distante e quase impossível.
No Chile criamos um Comitê para denunciar as torturas no Brasil (José Serra, eu, Tetê Moraes e outros companheiros, alguns até mortos tragicamente) porque esta era única forma de divulgar à opinião pública mundial o que se passava no Brasil em termos de violação dos direitos humanos. Foi assim que tomamos conhecimento das bárbaras torturas que a garota de 19 anos havia sofrido e as divulgamos em um livro que publicamos sobre a tortura no Brasil e nos boletins informativos que editávamos para distribuição internacional. Dilma sobreviveu e pode depois reconstruir a sua vida, mudando-se de Minas para o Rio Grande do Sul.
Somente voltamos a nos encontrar no sonho da construção de um partido do socialismo democrático, voltado para a construção da social-democracia no Brasil. Eu na assessoria do Brizola - vindo com êle do exílio -, Dilma, junto com o seu então marido e companheiro, Carlos Araújo, despontando como as lideranças mais autênticas do PDT gaúcho. Militamos juntos por muitos anos.
Rompi com o velho caudilho um pouco mais cedo do que Dilma, que o fez poucos anos depois. Ajudei a fundar o PSDB - onde via a possibilidade de continuar o sonho da social-democracia - mas logo abracei a dissidencia tucana liderada pelo Ciro Gomes. Dilma optou por um caminho diferente, crescendo dentro da máquina pública gaúcha como uma técnica super-competente mesmo no catastrófico governo de Alceu Colares. Daí optou pelo PT, quando houve o rompimento da aliança gaúcha que a havia feito representante do PDT no secretariado do governador Olívio Dutra.
Hoje estamos mais separados. Ela como pessoa forte do governo e provável candidata presidencial, eu com uma postura mais crítica a um governo que vejo como meio caótico e sem projeto estratégico.
Mas no fundo vejo que continuam a haver muitas coincidencias em nossa visão de mundo. Ontem, por exemplo, no seu depoimento ao Senado, a ministra Dilma deixou de ser a Dama de Ferro do governo para encarnar toda uma geração - a sua geração, a minha geração, a nossa geração...
Ela falou por todos os torturados, por todos os violentados em seus direitos e em suas consciencias no passado, por todos os que viveram os dias de 68. Ela fez acender a chama da dignidade no coração de milhares, milhões talvez. Quando disse :
- O que acontece ao longo dos anos 70 é a impossibilidade de se dizer a verdade em qualquer circunstância - afirmou ela, emocionada. O direito à livre expressão estava enterrado. Não se dialoga com o pau-de-arara, o choque elétrico e a morte. É isso que é importante hoje na democracia brasileira. Qualquer comparação entre ditadura e democracia só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira.
E completou :
- Me orgulho de ter mentido, mentir na tortura não é fácil. Diante da tortura, quem tem dignidade fala mentira. Agüentar tortura é dificílimo. Todos nos somos muito frágeis, somos humanos, temos dor, a sedução, a tentação de falar o que ocorreu. A dor é insuportável o senhor não imagina o quanto. Me orgulho de ter mentido porque salvei companheiros da mesma tortura e da morte - finalizou, sendo aplaudida por parte dos senadores presentes à sessão.
Quem falava ali no recinto do Senado não era a toda poderosa Dama de Ferro do governo Lula. Era Joana D' Arc. Era Anita Garibaldi. Era o melhor de uma geração. Era a menininha de 19 anos, que voltava a ter os olhos radiantes, o coração vibrante e a emoção de pensar-se lutando por um futuro melhor.
Que esta seja a Dilma do futuro também. É o melhor que, agradecido por este momento sublime, eu e nossa geração dos lutadores de 68 podemos lhe desejar nestes momentos...

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